Diário Dos Arruinados- V




Mais um gole á garganta deserta de sede, mais um cigarro á activação cerebral, extinta pela manhã, pelo dia,
pela noite, mais um charro em honra á aproximação dos deuses, á transcendência fabricada.
Mais um corpo á fome insaciada, mais uma noite vazia de presença, ausente desconvocada.
Mais uma vez que me perco em luxos de enlevo, para abafar as perdas, o vácuo e o nevoeiro de uma realidade demasiado complicada.
Gosto de ser escapista, um peixe que se desembaraça da rede e mergulha fundo num oceano, que de tão grande que é, é também seu senhor.
Porque a Terra em grandiosidade que tem, não o faz? Não me transforma no seu ícone, num pedaço íngreme que fosse, certamente não me veria tanto nestes propósitos que me aprazem em momentos, que quando passam doem, tanto ou mais, do que antes.
Molestam-me na incapacidade que possuo de os atender, de os cuidar em usufruto de algo que não entendo, que penso nunca vir a entender.
Possivelmente a cobardia falará mais alto na altura em que pondere seriamente uma mudança, mas mudar para onde? Para quem? Para que caminho?
O caminho da mudança? Que modificação posso perspectivar em mim num mundo que nunca mudará por ele mesmo?
Que fará de nós sempre seus servos á fragilidade de corpos sem salvação, sem imortalização…?
A mudança que começa em mim.
A imortalidade de um corpo que se esvai, mas que perdurará na história, de uma forma ou de outra, pelo exemplo de mestre, que todos querem, mas a que ninguém se propõe.
E aí então o vazio será uma plantação de fertilidade e abundância, a que vem de dentro, a que se abnega em prol de si.
Ai então o mundo me dará um pedaço do seu vasto terreno, onde reinar.

Serei eu, Rei de mim mesmo.


Sarah Moustafa

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