Diário dos Arruinados - XIX




A fome não me deixa pensar.
A fome mal me deixa capaz de escrever.
A fome é tamanha mas aqui estou, ardida em sensações de que desconheço a causa, apenas o efeito.
O efeito que me consome ao mais intimo, privado recanto que me acolhe.
Tenho esta fome que não passa, que se extravasa, que grita por algo que não identifica!
Falta-lhe um ingrediente qualquer, na receita que lhe fermenta a necessidade de mais, e dou-lhe mais e nunca chega, nunca pára esta compulsão.
Abre-me o corpo rombo de desejo, de querer viver o que não sabe se quer, o de querer explorar recantos de um mundo tamanho que lhe aflora no corpo.
A fome dá me uma excitação. Mas não pára, não se sacia com absolutamente nada.
Entrega-me ás índoles mais selvagens e impensadas mas devolve-me esta fome quatro vezes pior.
Como escolho o caminho certo ,se todos não chegam, em suficiência, a esta irascibilidade que me faz querer ir não por um mas para todos os lados?
Que faço deste buraco crescente que me atrai a tudo quanto pior possa existir?
Se pudesse apenas, arrancar-me de mim mesma, e ver-me num reduto de tempo desvanecido em plumas desmembradas, na minha decadência, poderia esta tormenta se finalizar.
A fome calar-se-ia ao silêncio do seu próprio vazio, beberia do veneno da sua propria extensão de solidão.
Se pudesse, ser eu capaz de fazê-lo, fechando a porta á cobarde cobardia, de não querer abdicar do que me faz tão mal, mas que também me faz tão bem.
Se soubesse alimentar-me de outra coisa que não estas sombras peregrinas, poderia deixar de a ter.
Poderia aninhar-me na satisfação de me sentir cheia.
Poderia experienciar o gosto de um beijo sem arder por lábios diferentes.
Poderia contemplar, sem o desassossego de voltagem, de uma atenção que é escassa e apenas consegue mirar.
Se pudesse apenas fazer o que posso, deixaria de a ter...a fome.

Sarah Moustafa

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