A música
Senti o impulso bruto da energia a trepar por mim de rompante.
Algures entre a cabisbaixa incerteza e a vontade pungente de me libertar de mim mesma, algo naquela mínima melodia resultou.
Libertar-me um pouco do passado carregado, do presente desencontrado e qualquer futuro ansiado.
Abrir o nó das cordas que me arrastam os tornozelos e correr espontânea de encontro á fonte de inspiração.
Levantei-me, do outro canto da casa, a música tocava baixo e eu sentia-a estrondosamente a brotar pelo meu corpo.
Fui, sem me aperceber dos segundos que me demorei a estar já enredada na melodia.
Aumentei-lhe o volume, como a dose do meu entusiasmo, só vibro verdadeiramente quando ela está alta, excessiva até me acobertar de qualquer realidade circundante.
Absorvi-me no rebentamento da estagnada vitalidade destes dias, cantei com as emoções na flor da pele, de olhos fechados e gestos dramatizados.
Sim eu sou dessas pessoas que quanto sente a musica só na pura expressividade do que se passa no intimo, se faz ouvir.
Estava sozinha de todas as formas, aquele seria o meu grito de redenção para comigo mesma.
Cantei até me despejar de tudo, até ser completamente indiferente ao mesmo.
As emoções são mesmo lindas.
Gritei amor das entranhas.
Vibrei por me fazer ouvir, por me fazer querer, e entre minutos eternos, deixei-me incendiar na chama alta do meu corpo em consentimento.
O blast de energia extasiava-se a cada letra de ferro e fogo da mesma e antes que me desse por mim já tinha terminado.
Parei numa meia volta incompleta, os cabelos livres, despenteados e estarreci no choque de diferenças com que num ápice me vi.
De repente toda aquela chuva de intensidade caiu-me como um pedregulho no estômago.
Exactamente no sitio para onde vão, quando enfermas e escondidas, para serem quer queiram ou não, digeridas.
Fiquei perdida no meio ponto de uma sensação fantástica, que acabara de sentir, com aquela náusea que não me deixava sorrir.
De novo e de volta a encruzilhada dos caminhos que têm que se escolher, e já parecem escolhidos em tantas outras sublimes dimensões da existência, onde não tenho a responsabilidade de as fazer.
A encruzilhada que se repete continuamente, não saio dela, não sei se quero sair e nessa hesitação permaneço.
Não sei fingir.
Baixei o volume e diminui-me novamente.
Fitei-me no reflexo disforme das vitrinas do armário.
De onde te vi?
Para quê te encontrei ?
Sarah Moustafa
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