Dissolvência - Capitulo XI ( Chama Incógnita)


Capitulo XI

Chama Incógnita


Perdera a noção do tempo, na designação colocada á mesma palavra, na ordem suposta que se demarca ao ínfimo milésimo de segundo, como um lembrete, um temporizador da vida, uma ampulheta modernizada que para uns poderia ser bem rotineiro e para outros terrivelmente assustador. Ameaçador.
O curso de vida cuja areia parecia chegar aos derradeiros grãos ultimados de alento, de esperança de um ressurgimento á existência de até então.
Que existência? Que vida? Que alento?
De palavras e rezas vãs se enchia para quê? 
Não seria melhor assim, que ela partisse enfim para o sossego da inquietação cronica que a fizera precisamente ali estar? 
Entre a vida e a morte, numa batalha estupidamente iniciada, qual o propósito de lutar com o fim há tanto tempo redigido?
Qual o sentido de alimentar uma dolorosa ilusão tendo a percepção do devaneio em si?
Porquê?
Porque isto tinha de acontecer….Porque tinha que chorar as lágrimas de um fado consumado?
Débora sobressaltou-se com o som da porta do quarto de hospital abrir-se de onde se formou a imagem de uma madura enfermeira, reticente em delinear o que ao comando do seu serviço competia.
A hora de visita, os minutos da mesma, escorriam num curso agonizante que aproximava a verdade dos factos, o consumar do terrível evento que mais dia menos dias iria ter lugar, o cessar da vida artificialmente produzida. O ponto final nas Infindas reticências.
Agarrou na mala saindo com uma velocidade precipitada quebrando-se num choro de perda eminente assim que os pulmões sorveram o exterior da noites frias de Janeiro.

Tacteou nervosamente no interior da mala pelo seu maço de tabaco, praticamente cheio, havia reduzido progressivamente o consumo do malefício  mas a culpa…a culpa corroía as entranhas em busca desses pequenos facciosos minerais, ao que ao apelo correspondeu de forma mecanicamente positiva.
- Precisa de lume? – Ofertou-lhe em educada consideração um homem que se aproximou da sua figura nervosa, calmamente. Esta relançou um olhar de surpresa imediata agarrando o isqueiro prateado silenciosamente.
Acendeu o cigarro e deixou que o fumo a absorvesse em instantes de conforto profundo, instantes esses rapidamente desvanecidos na neblina da sua expiração e retorno aos momentos presentes.
- Obrigado. – Agradeceu-lhe ciente do rosto que provavelmente se encontrava esborratado de lágrimas secas e maquilhagem derramada. 
Pouco lhe importou, estando num hospital tal deveria de ser no mínimo compreensível, advindo do facto de que nem sempre passadas as horas de espera devidas e tratamento adequado á camuflagem de um qualquer sintoma, saiam pela porta aliviados de volta á rotina, de volta ao lar expectante entre quatro paredes pelos seus conhecedores e familiares ocupantes. Paredes essas que uma hora ou outra iriam ser redescobertas por uma toda outra remessa de vida nova. Nova gente a que acolher.
Nova gente a aprender como sobreviver.
- Porque fuma ?- questionou lenta e subtilmente o Homem que a auxiliara na sua falta de objectos incandescentes, esta escandalizou-se com a pergunta despropositada confrontando-o mais atentamente.
- Porque come, porque bebe... porque faz as coisas que faz? Apenas por necessidade fisiológica  Tem fome come, tem sede procura o que lha mata correcto?
Este assentiu silencioso com um certo brilho entusiasta a provir-lhe da provocação incitada. Débora sentiu-se insultada na frágil sensibilidade que surtia naquele momento de vida, outrora teria reagido, sentido as coisas de uma forma totalmente avessa, divertida e provocante posicionando-se na felicidade de encontrar talvez o flirt da noite. Reflectiu com a frieza que possibilitava e devolveu-lhe o isqueiro.
- Muito Obrigado. Boa Noite. - Educadamente afastou-se em direcção á viatura algures perdida no estacionamento nocturno sentindo um súbito pânico, um medo atrofiante, inexplicável ás contendas da razão.
Voltou-se e percebeu que o estranho individuo já havia desaparecido, mas ainda assim o alivio não aconteceu.
- Eu não estava a julgar por fumar, queria apenas perceber o que mascara essa necessidade, esse impulso de o fazer... - Débora petrificou ao constatar que ele se encontrava atrás de si, recuou tentado aproximar-se da área mais movimentada do exterior hospitalar. Absorveu o máximo de discrição física que conseguia do possível perseguidor, só percebeu que era loiro, alto além da média, e estranhamente estranho...
- Não podem desligar as máquinas... - Isaac manteve-se no mesmo sitio olhando-a com pacificidade, esperando o seu comportamento, esta sentiu o corpo a disparar em horror.
 Como era possível ele saber?
Abanou o rosto incompreensivelmente ouvindo a velocidade de uma ambulância aproximar-se.
- Não deixes que desliguem as máquinas... - repetiu para seu pavor vendo as luzes vermelhas e azuis da sirene reflectidas no seu rosto duro. O veiculo de emergência estacionou celeremente no meio de ambos atarefados com os processos de quem transportavam para mais uma desgraça eminente de acontecer. Ou não.
Débora respirou fundo ao dar a volta e concluir que ele já havia sumido, como o mistério improvável das vidas assim sugeria.
Continuou a respirar fundo apoiando a mão nos joelhos tentando negar com toda a lógica o sentido que incutira ao que ouvira.
Não podia ser..estava a delirar, Jade estava mais que morta. Ou quase mais que morta sustida pela fabricação do mundo moderno.
Mas e se ...
Se não estivesse?



Sarah Moustafa



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