Comigo Mesma
Hoje não tenho qualquer problema em dizer que choro.
Como costumo chorar , por vezes, ininterruptamente ao longo do dia sem deixar ao exterior vislumbrar.
É tudo sempre interior, tudo tão cá dentro, tão dentro por dentro de mim mesma.
Camada a camada e nunca chego á fundura que persigo, está sempre algo tão mal, mesmo quando está tudo sempre tão bem.
Hoje não tenho qualquer problema em confessar este choro molhado com sabor a seco, a deserto ressequido em oásis, e não tenho, e não o temo, porque não o estou a dizer a ninguém, a não ser a mim mesma.
A interlocutora que se esquece vezes demais da sua propria locução, do que a motiva e destrói nesta sede de emoção.
Choro porque me falta tudo, choro porque nada me falta.
Desespero pela oportunidade que não chega e repudio-a no momento em que suspeito que por um segundo ela se possa tornar real.
Eu não antecipo o sofrimento mas a glória, essa mesma que nos rejubila a vida de encantamento e verdade, essa que nos decora com sorriso e leveza de um espírito revestido de uma certeza vibrante, que de tudo é capaz.
Essa previsão paralisa-me.
O medo de ser feliz é incontestavelmente o motivo das acções mutilantes que inflijo sobre mim mesma e com quem quer que se depare no meu caminho.
Mas hoje não falo de mais ninguém, a não ser de mim mesma.
Hoje, e talvez só mesmo por hoje, eu responsabilizo-me pela má sorte que me angustia.
Eu responsabilizo-me pela mágoa que sinto.
Eu responsabilizo-me pelo que de errado o certo absorveu.
Hoje não tenho qualquer problema em assumir a culpa e cota parte de inferno que faço questão de construir ao meu redor, de arcada em bancada, sou eu que incendeio quem lá se senta, quem lá tenta entrar e eu assisto impavidamente, porque parece tão certo...
Não tenho qualquer problema em assumir que todos os falhanços são falhas de uma índole, que nunca foi construída, lapidada, instruída e aplicada em direcção de si mesma, da sua aprendizagem e crescimento.
Assumo a imaturidade emocional que me redige e desilude constantemente em grande parte dos relacionamentos tóxicos que mantive, percebo , por fim, a toxicidade que eu mesma destilo em incongruências inconscientes e jogos e armadilhas inconsequentes, não por serem errados na medida certa da palavra, mas por não discernir, mesmo, a consequência e ressonância que isso produzia em mim.
Assumo a sensibilidade de alguém já nasceu exausta de si mesma.
Exausta da exigência que este vácuo emocional, em movimento espiral me alimentou.
Mas hoje, não tenho também qualquer problema, em afirmar a ingenuidade, a delicadeza, a beleza e a ternura que reconheço, por fim, em mim.
Não tenho pudor em vivenciar a sensualidade, o erotismo e a força dos sentidos femininos, no corpo que faço de meu templo.
Não tenho vergonha da minha origem, da infância complicada e das vidas deste tempo rasuradas.
Hoje aceito-me, trabalho-me.
Volto a cair nas armadilhas da carência e medo do desconhecido, muitas vezes, porque sou humana, e hoje sei que isso é ser também mágica e sobrenatural.
Hoje não tenho qualquer problema em admitir que choro, agora e daqui pouco...porque nesse simples momento, eu me transformo.
Sarah Moustafa
Obrigado por partilhares tão humildemente e abertamente o teu ser.
ResponderEliminarHoje e todos os dias não deviamos de ter qualquer problema em assumir e falar de quem realmente somos, de como sentimos, das incertezas e das certezas, dos gostos e dos desgostos... resumidamente expressarmos a alma que anseia por se expandir e partilhar com o proximo ser.
Obrigado por todo o teu trabalho maravilhoso de compaixão em ti.