Repertório da Lua #10

Quando abrimos a mão para os pássaros que levamos no coração e estes voam , fugidios , alertas , temerosos do poder da canção de amor ... e os pássaros levam as suas escolhas para longe de nós , algo dentro de ti parte -se , é difícil respirar .
O sentimento descola-se do esqueleto e tudo o que o resta é o vazio de um corpo.
Porque os pássaros assustados e impertinentes que alimentaste paciente e com os quais adoravas dançar , no frenesim de plumas e pios ensurdecedores , acharam-te gaiola e não a extensão de céu que julgavas lhes dar.
O teu toque e o tempo de ternura não sobrevivem á natureza de quem pertence ao vento.
E tu na terra , na casa  , no jardim do encanto de que se desfazem a crueldade dos dias , abres a mão sabendo que um a atrás do outro , irão todos partir .
Perguntas-te se perdeste , se o mereceste , se és de alguma forma responsável pelas migrações que te deixam sempre só  , aqui em baixo, onde só os podes ver de cima.
Questionas se a vida é injusta ou se tu simplesmente não a compreendes , se tens algum defeito de fabrico , se tal como as asas dos pássaros que ajudaste a curar , tu também precisas de remédio.
E as estações passam , uma atrás das outras , o jardim está cada vez mais bonito e florido , os pomares são vastos e os frutos maduros preenchem a cornucópia de abundância.
E desde que os libertaste , os pássaros não voltaram mais.
E dizem que a vitória vai ser tua !
E desabotoas o vestido cor de fogo para que vejam o peito rasgado por dentro e lhes respondas um pouco melancólica ...

Já não existe nada para ganhar.

Carla Bruni - The Winner Takes it all

 

Sarah Moustafa