Amor de Papel




Desenrolei o novelo de mentiras, uma a uma, com cuidado e paciência.
Demasiada.
Demorei em excesso a perceber que o tempo perdido não se recupera
E que mesmo gritando, esperneando, chorando , nada mudaria a realidade.
Do que é como é.
E enquanto gritava, esperneava e chorava, as cores do céu distorceram-se , camaleônicas, e adaptavam-se ao que precisava.
O herói, o menino perdido , O homem que te ama mas não sabe dar voz ao amor, imaginei que me entendeste mal , e que a culpa seria minha ou de outra interferência exterior .
Fui eu que me alonguei nos teus dias? Será que invadi o teu espaço? Será que nao te dei o meu coração e deixei-o ao cuidado das tuas mãos , será que não te fiz perceber que eras sangue novo que circulava por completo em mim ?
Será que não mostrei o brilho nos meus olhos e escondi sorrisos tímidos de uma menina apaixonada?
Será que não agradeci as pequenas coisas que partilhaste comigo? O teu precioso tempo, o interior da tua casa e o calor teu corpo?
Será que te passei a noção que te tomava como garantindo , que brincava ao fica e vai embora , que não te apreciava , que não te queria?
Será que me conheceste assim tão mal quando sentia que me sabias de cor e melhor que outro alguém?
Será , Será , Será...
O céu foi me reanimando memórias e os traços de avião decifrando enigmas, enquanto contemplava tudo o que ficou perdido.
Nunca pus em causa que nada disso importava, se esse nada era o Tudo dos meus dias tristes, onde apenas os braços da solidão me acompanhavam.
Nunca quis colocar em hipótese que tudo o que vi, tudo que senti era mentira.
E que não a culpa não era minha, porque não sendo inocente , eu nunca deixei de tentar.
Eu nunca deixei de lutar pela verdade, pelo merecimento de uma resolução positiva.
Da honra de uma palavra de atenção pela intimidade que te entreguei.
De um desculpa sincero ou um gosto de ti tamanho.
Não, eu não sou culpada se não me viste , se não me quiseste, se não me escolheste.
Retirei o véu negro e olhei me ao espelho, abracei a morte de uma parte minha que levaste .
A inocência tão crédula nos contos de fada e canções de amor.
Abriste a porta do caminho da descoberta ao que sou como Mulher.
Não sou vitima, não posso ser vitima , se continuei a crescer.
Este luto todo foi por mim e pela menina que se deitou na palma da mão de um extenso e inconsciente sono.
Quando despertei e a névoa densa acalmou, eu percebi que não podia iludir-me mais.
Que não podia esperar pelo que não regressa, que não podia forçar-te a querer-me , que não podia desistir dessa nova mulher , e que se te amava , também me amava a mim e ao fruto que ficou desta história.
E a prova que uma parte dela existiu , a parte humana que falha redondamente .
A parte mais imperfeita que tem de aprender aceitar-se pelo todo que é.
É nas páginas do tempo e da vida que ficamos.
E esse é o melhor livro que alguma vez virei a escrever .
E assim se chamará ,

Amor de Papel.




Sarah Moustafa


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