Enferma



espicaçam- me o braço , apalpam pela veia diaba , enfiam a agulha (mal) tiram o sangue mais escuro do que me lembro ele ser e injectam uma medicação qualquer .
deixam me curvada de dores ate que tal tortuosa receita faça efeito e se finja que já estou bem .
numa hora só a tua vida pode parecer um pesadelo interminável e tudo é colocado em questão , começo a pensar em todas as possibilidades do que se pode passar comigo e a enciclopédia do medo é vasta , a hipocondria tambem , mas still ... na espera , mais para lá do que para cá , sob a  sinfonia de gritos e gemidos de quem estava bem pior , desbravo os pensamentos do que levo da vida se ficasse por ali desfalecida na cadeira...
são poucas as coisas que enchem a bagagem do tempo mas volumosas... ocupam espaço .
São memorias amontoadas que parecem pertencer a outras encarnações , são o desdobramento de sentimentos que jamais encontrei noutro alguém , são momentos intensos e fugazes entre estações que viajaram demasiado depressa , são pessoas estranhas que torraram me o juízo e abalaram o coração , e são sobretudo palavras  , biliões de letras sem a pontuação correcta e que se perderam na tradução do seu significado.
metade delas são tuas , penso que devo deixar por escrito a herança da inteligência do afecto , talvez se morrer nao tenhas coragem de recusar esta prenda , o meu amor de papel.
talvez conseguisses aperfeiçoa -lo, julgo te hábil para tal.
A medica hispânica e atabalhoada , atira me a receita e desperta me da minha imaginação fatalista , diz que estou infectada mas que me posso ir tratar para casa.
Sorrio com cinismo quando me disse casa.
talvez se ela tivesse dito habitação acenaria em concordância , mas eu embirro com o que não é dito bem .
ninguém sabe que de verdade sou uma sem abrigo que sobrevive de estrelas e trilhos em terrenos baldios , de amoras doces e agua fresca do rio ...
Muito provavelmente foi por isso que adoeci, ao relento da fantasia a vida passa mas os sustos vão te relembrando que ... a morte não.

por isso dizem me as vozes inoportunas , agarra nos momentos sem quereres edita-los.
sem edita -los ...





Sarah Moustafa




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